Sa-linhas - Blog de Redação do 3o ano E. M. do Colégio Sto Estevam - Profa M. Salete

Blog de Redação do 3o ano do Ensino Médio do Colégio Sto Estevam - Profa M. Salete

15 fevereiro 2005

"O judeu" e "O início do interrogatório"

Aqui estão estão os outros textos da prova da UNESP: O judeu, de Bernardo Santareno (pseudônimo de António Martinho do Rosário, 1924-1980) e o poema O Início do Interrogatório, do poeta brasileiro Jamil Almansur Haddad (1914-1988).




O Judeu, de Bernardo Santareno

António José
(Que perde o auto-domínio, desesperado.) Nem judeu, nem judaizante eu sou!! Inocente me encontro das culpas de que me acusais! Inocente estou e inocente me afirmarei, até que me matem!!…
2º- Inquisidor
(Violento, tigrino.) Judeu e judaizante, isso és!! A tua pestilenta boca vomitou, enfim, essas palavras malditas! Judeu e judaizante. E, com o dizê-las, o bafo do Demónio já enche de fedor esta Mesa, esta Casa, Lisboa inteira! Judeu e judaizante!!
Inquisidor-Mor
(Como uma lâmina; febre negra e fria nos olhos.) Obrigado se acha o preso a declarar, diante deste Santo Tribunal, o nome, ou nomes, da pessoa, ou pessoas, de que aprendeu os erros que ora lhe apodrecem a consciência. Quando e aonde foi? Quais as pessoas que lá estavam presentes? Quais as pessoas com quem comunicou professar os mesmos erros…?
António José
Nem judeu, nem judaizante, eu fui, ou sou. (O Inquisidor-Mor faz sinal ao Carrasco. Este vem ao preso, leva-o ao centro de cena e aí o ata, com uma corda, pelos braços.)
Notário
(Que se levanta.) Em nome dos Reverendos Inquisidores que servem à Mesa deste Santo Tribunal, protesto que se o réu no tormento morrer, quebrar algum membro ou perder algum sentido, a culpa será sua, pois voluntariamente se expõe àquele perigo, que pode evitar confessando suas culpas, e não será dos ministros do Santo-Ofício que, fazendo justiça segundo os merecimentos de sua causa, o julgam a tormento. (Senta-se. O Carrasco logo puxa a corda que, prendendo António José pelos braços, passa numa roldana colocada em cima, na teia: O preso é assim içado, ficando suspenso no ar.)
Inquisidor-Mor
Da parte de Nosso Senhor, com muita caridade, admoestamos o réu a confessar suas culpas. (António José, suspenso pelos braços, volta a cabeça, cerrando os dentes. Sinal do Inquisidor--Mor: O Carrasco larga a corda e, deste modo, António José despenha-se no ar em direcção ao pavimento; num golpe súbito, o Carrasco de novo sustém a corda: com o corpo contorcendo--se-lhe todo pela violência do choque e as cordas enterrando-se-lhe nas carnes, o Judeu solta um urro de dor. Pausa nos tratos: António José suspenso no ar.)
Uma vez mais, da parte de Nosso Senhor, pelas Suas benditas entranhas inquirimos do réu: Disposto está a confessar as suas culpas, para descargo da sua consciência, salvação da sua alma e para que se ponha em estado de com ele, neste e em maiores transes, o Santo-Ofício poder usar de misericórdia?
(António José morde os lábios para não falar. O Geral faz sinal ao Carrasco: Recomeçam os tratos de polé.)

António José
(Ao sofrer, pela 2ª- vez, as dores do tremendo esticão, não se domina: cede.) Confesso!… Por amor de Deus, tirai-me daqui!… Confesso!… Quanto quiserdes, eu confessarei!… Confesso!…
(Bernardo Santareno. O Judeu, narrativa dramática em três actos.)
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O Início do Interrogatório

1
— Onde é a terra,
Fortificada?
Onde é a Serra?
— Não digo nada.
5
— Sierra Maestra
Ela é chamada.
Ao Norte? À Destra?
— Não digo nada.
Glória sem mágoa,
10
Paixão que exalta.
Só sei que é alta
Como o Aconcágua.
— Vou inquiri-lo,
Alma danada,
15
Ao teu mamilo,
Junto o cautério,
Morra o mistério!
— Não digo nada.
Só sei que inunda
20
A altura acesa.
Ela é profunda
Como a pobreza.
— Irei prendê-lo,
De madrugada
25
Ao tornozelo.
— Não digo nada.
Áspera e mansa,
Ela é azulada
Como a esperança.
30
— Morres à míngua.
Na hora aprazada
Queimo-te a língua…
— Não digo nada.
Ah, não a cita
35
O poeta Herédia!
Ela é infinita
Como a tragédia.

(Jamil Almansur Haddad. Romanceiro cubano.)